Julia Rech Saul, acadêmica de medicina veterinária, Universidade Luterana do Brasil.
Jenifer Bohnemberger, médica veterinária, Pet Center Canoas.
Patricia Munhol, médica veterinária, Pet Center Canoas.
Carla Novelli, médica veterinária gastrologista, Pet Center Canoas.
juliarechsaul@outlook.com
Resumo
A colangite refere-se à inflamação do trato biliar, sendo uma patologia mais comum em gatos do que em cães. É uma doença de progressão lenta e apresenta sintomas inespecíficos. O diagnóstico se baseia nos achados clínicos, de imagem e na histopatologia. O objetivo deste trabalho foi relatar um caso incomum de colangite linfocítica felina e foi utilizada coleta de dados de sistema informatizado como metodologia. O animal deste relato apresentou sintomas compatíveis, com o diagnóstico sendo confirmado devido à presença de linfócitos e plasmócitos em região periportal, além de achados laboratoriais e de imagem. Concluiu-se que o achado de massa hiperplásica obstruindo a papila duodenal é incomum nestes casos, demandando estudos epidemiológicos adicionais sobre a evolução desta doença e suas formas.
Palavras-chave: Fígado; hepatopatia; icterícia; hiperplasia; vesícula biliar.
Introdução
A colangite refere-se à inflamação do trato biliar, sendo uma patologia mais comum em gatos do que em cães, podendo-se estender para os arredores do parênquima hepático (1, 2). Acredita-se que felinos costumam ser acometidos por essas afecções devido a sua particularidade anatômica, em que o pâncreas e ductos biliares se unem antes da entrada do duodeno proximal, sendo assim, existe maior possibilidade de ascensão bacteriana proveniente do intestino (1).
Esta doença é dividida em colangite neutrofílica, colangite linfocítica e colangite associada à trematódeos. A colangite linfocítica é uma doença de progressão lenta e classificada como crônica, onde ocorre uma infiltração de linfócitos, e ocasionalmente plasmócitos, nas áreas portais do fígado (3).
Os gatos acometidos apresentam sintomatologia inespecífica, mas frequentemente cursam com anorexia, icterícia e perda de peso progressiva. O diagnóstico se baseia nos achados clínicos, ultrassonográficos e mais precisamente na histopatologia hepática (4).
O objetivo deste trabalho foi relatar um caso incomum de colangite linfocítica felina, de modo a contribuir com os relatos apresentados para o avanço científico acerca deste agravo.
Materiais e Métodos
A coleta foi realizada em sistema informatizado de prontuários, com autorização de coleta de dados, entrevista com profissional assistente do paciente, fichas cirúrgicas e resultados de exames laboratoriais e de análises clínicas. Também foi utilizada consulta bibliográfica nos bancos de indexação de artigos científicos Scielo e Google Acadêmico.
Resultados e Discussão
Foi atendida em uma clínica veterinária uma gata, de 8 anos, fêmea e sem raça definida, com queixa principal de anorexia há mais de cinco dias e constipação. Ao exame físico, o animal apresentava mucosas ictéricas e desidratação. Sintomas inespecíficos porém compatíveis com colangite, segundo a literatura (5). Foi indicado internação para estabilização e realização de exames complementares.
Os achados ultrassonográficos foram de ductos biliares acentuadamente dilatados, sugerindo processo obstrutivo total. Também foram visualizadas áreas com parênquima heterogêneo e hiperecogênico, possivelmente associada a hiperplasia hepática (3). Os bioquímicos se apresentaram alterados, com ALT 171,0 UI/L, AST 212,0 UI/L e fosfatase alcalina de 468,0 UI/L. Nas proteínas totais e frações, o valor de globulinas também apresentava-se alterado, 4,82 g/dL. Os valores de bilirrubinas totais foram de 13,86 g/dL, novamente fora dos padrões de referência. As atividades séricas das enzimas hepáticas, bilirrubinas, ácidos biliares e γ-globulina se mostraram elevadas na maioria dos pacientes acometidos por colangite (1, 6).
Considerando os resultados dos exames solicitados, somado à sintomatologia, foi realizado procedimento de coleduodenojejunostomia, junto de biópsia hepática e coleta de líquido do canalículo biliar para cultura bacteriana. Durante a cirurgia, foi relatado vesícula e ductos biliares repletos, além de presença de estrutura arredondada rígida na entrada da papila duodenal causando obstrução total, condizente com provável hiperplasia.
Em relação ao histopatológico, a avaliação revelou arquitetura hepática pouco preservada, evidenciando focos de hiperplasia hepatocelular. Foram detectados também brandos focos de colestase, com moderados linfócitos e plasmócitos em região periportal. Segundo a literatura, uma característica da colangite linfocítica é a infiltração das áreas portais com linfócitos, e ocasionalmente plasmócitos (3). O bacteriológico apresentou ausência de crescimento bacteriano em 48 horas.
Com os resultados da biópsia, foi iniciada terapia imunossupressora com prednisolona 1mg/kg uma vez ao dia. Sendo o fármaco de eleição, é recomendado que seja utilizada assim que a cultura bacteriana dê negativo e se confirme a presença de agregado linfocitário (7). Após seis meses de terapia imunossupressora a paciente retornou apresentando recidiva dos sintomas, com mucosas ictéricas, constipação e perda de peso progressiva. Na nova ultrassonografia abdominal, foi visualizado que os ductos biliares apresentavam-se com diâmetro de aproximadamente 30mm, além de parênquima hepático hiperecogênico. O ducto biliar comum mede 2mm, mas pode atingir até 30mm de diâmetro devido às alterações inflamatórias nas paredes (7).
Com a piora do quadro geral, e sem prognóstico favorável, os tutores optaram pela eutanásia do animal.
Conclusão
Os achados clínicos e, também, as alterações de exames complementares são compatíveis com quadros firmados em literatura sobre colangite linfocítica. A obstrução total de ductos biliares causada por massa hiperplásica na papila duodenal é um achado incomum nos casos desta doença, mostrando que sua ampla gama de sinais e sintomas inespecíficos apresentados a coloca como diagnóstico diferencial que deve ser levado em consideração quando detectadas alterações hepatobiliares. Este resultado também sugere que são necessárias mais pesquisas epidemiológicas e revisões de grande porte sobre o assunto, uma vez que a bibliografia encontra-se restrita e antiga.
Referências
1. Nelson RW, Couto CG. Medicina Interna de Pequenos Animais. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Elsevier; 2021.
2. Little SE. O Gato: Medicina Interna. Rio de Janeiro: ROCA; 2015.
3. Clark JEC, Haddad JL, Brown DC, Morgan MJ, Winkle TJV, Rondeau MP. Feline cholangitis: a necropsy study of 44 cats (1986~2008). Journal of Feline Medicine and Surgery; 2011; 13:570-576.
4. Beche A. Complexo Colangite Felina [Trabalho de Conclusão de Curso]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2017.
5. Boland L, Beatty J. Feline Cholangitis. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice; 2017; 47(3):703-724.
6. Chandler EA, Gaskell CJ, Gaskell RM. Clínica e Terapêutica em Felinos. 3a ed. São Paulo: ROCA, 2006.
7. Ettinger SJ, Feldman EC, Côté E. Textbook of Veterinary Internal Medicine: Diseases of the Dog and the Cat. 8a ed. St Louis: Elsevier; 2017.
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